Você tem medo do quê?
Marcelo Etcheverria
Mestre em História pela UFRGS.
“O alto celestial que nos vigia, o
baixo infernal que nos espia”, as palavras da filósofa Marilena Chauí nos levam
a refletir sobre os nossos medos. Mas afinal, do que se tem medo? Da morte, foi
sempre a resposta. E de todos os males que possam simbolizá-la, antecipá-la,
recordá-la aos mortais. Da morte violenta, completaria Hobbes. De todos os
entes reais e imaginários que sabemos ou cremos dotados de poder de vida e de
extermínio: da natureza desacorrentada, da cólera de Deus, da manha do Diabo,
da crueldade do tirano, da multidão enfurecida; dos cataclismos, da peste, da
fome e do fogo, da guerra e do fim do mundo.
Temos medo do grito e do silêncio; do
vazio e do infinito; do para sempre e do nunca mais. Temos medo do esquecimento
e de jamais poder deslembrar. Da insônia e de não mais despertar. Do
irreparável. Do inominável e do horror à perda do próprio nome, essa “doença
mortal” que, um dia, Kierkegaard chamou de desespero humano. Do labirinto de
espelhos, fantasmas nossos e os alheios, sonhados sonhos de “ruínas
circulares”, em noite fatídica quando “o mago se lembrou bruscamente das
palavras do Deus. Lembrou-se que, de todas as criaturas do orbe, era o fogo a
única a saber que seu filho era um fantasma. Teve medo que seu filho meditasse
sobre esse privilégio anormal e descobrisse, de algum modo, a condição de
simulacro (...). Caminhou contra as chamas. Não morderam sua carne, o
acariciaram e o inundaram, sem calor, sem combustão. Com alívio, humilhação e
horror compreendeu que ele também era uma aparência, que um outro o estava
sonhando (Jorge Luís Borges)”.
Temos medo do ódio que devora e da
cólera que corrói, mas também da resignação sem esperança, da dor sem fim e da
desonra. Da mutilação dos corpos e dos espíritos. Temos medo da loucura
roubando a placidez das simples coisas mesmas, cortando o nosso corpo na
dispersão de suas perdidas partes, estranhamento nosso alheio, vozes de lugar
nenhum respondendo à nossa que vai a lugar algum, ecos do “coração denunciador”
(Edgar Alan Poe).
Temos medo da fala mansa do inimigo.
Susto, espanto, pavor. Angústia, medo metafísico sem objeto, tudo e nada lhe
servindo para consumar-se até alcançar-se ao ápice: medo do medo. Juntamente
com o ódio, o medo, escreveu Espinosa, é a mais triste das paixões tristes,
caminho de toda a servidão. Quem o sentiu, sabe.