quinta-feira, 25 de abril de 2013

Você tem medo do quê?



Você tem medo do quê?
Marcelo Etcheverria
Mestre em História pela UFRGS.

         “O alto celestial que nos vigia, o baixo infernal que nos espia”, as palavras da filósofa Marilena Chauí nos levam a refletir sobre os nossos medos. Mas afinal, do que se tem medo? Da morte, foi sempre a resposta. E de todos os males que possam simbolizá-la, antecipá-la, recordá-la aos mortais. Da morte violenta, completaria Hobbes. De todos os entes reais e imaginários que sabemos ou cremos dotados de poder de vida e de extermínio: da natureza desacorrentada, da cólera de Deus, da manha do Diabo, da crueldade do tirano, da multidão enfurecida; dos cataclismos, da peste, da fome e do fogo, da guerra e do fim do mundo.
         Temos medo do grito e do silêncio; do vazio e do infinito; do para sempre e do nunca mais. Temos medo do esquecimento e de jamais poder deslembrar. Da insônia e de não mais despertar. Do irreparável. Do inominável e do horror à perda do próprio nome, essa “doença mortal” que, um dia, Kierkegaard chamou de desespero humano. Do labirinto de espelhos, fantasmas nossos e os alheios, sonhados sonhos de “ruínas circulares”, em noite fatídica quando “o mago se lembrou bruscamente das palavras do Deus. Lembrou-se que, de todas as criaturas do orbe, era o fogo a única a saber que seu filho era um fantasma. Teve medo que seu filho meditasse sobre esse privilégio anormal e descobrisse, de algum modo, a condição de simulacro (...). Caminhou contra as chamas. Não morderam sua carne, o acariciaram e o inundaram, sem calor, sem combustão. Com alívio, humilhação e horror compreendeu que ele também era uma aparência, que um outro o estava sonhando (Jorge Luís Borges)”.
         Temos medo do ódio que devora e da cólera que corrói, mas também da resignação sem esperança, da dor sem fim e da desonra. Da mutilação dos corpos e dos espíritos. Temos medo da loucura roubando a placidez das simples coisas mesmas, cortando o nosso corpo na dispersão de suas perdidas partes, estranhamento nosso alheio, vozes de lugar nenhum respondendo à nossa que vai a lugar algum, ecos do “coração denunciador” (Edgar Alan Poe).
         Temos medo da fala mansa do inimigo. Susto, espanto, pavor. Angústia, medo metafísico sem objeto, tudo e nada lhe servindo para consumar-se até alcançar-se ao ápice: medo do medo. Juntamente com o ódio, o medo, escreveu Espinosa, é a mais triste das paixões tristes, caminho de toda a servidão. Quem o sentiu, sabe.