Falar de tortura, enforcamento, e coisas do tipo nunca é
atraente. Definitivamente, é um tema triste e chocante. Mas quando fui estudar
a história da Rua da Praia, eterno símbolo da nossa amada capital? Em vez de
praia eu enxerguei a forca. Fui pesquisar.
Descobri que
a praça Brigadeiro Sampaio teve diferentes nomes: Arsenal, Largo da Forca,
praça da Harmonia. Me impressionou a Forca.
O primeiro fato que nos causou
surpresa é que, nas conversas com historiadores, sempre pairava no ar uma certa
dúvida sobre a realização dos enforcamentos em Porto Alegre: “você nunca vai
poder concluir alguma coisa” afirmaram alguns. Por um lado, isso foi bom para
nós! Nunca ninguém interessou-se sobre o tema. Por outro, é uma grande
responsabilidade para nós. Resolvemos encarar o desafio e encontramos diante de
nós um objeto bastante rico e complexo.
A maioria dos livros sobre Porto
Alegre no século XIX não tratam da pena de morte. Foucault tem razão ao dizer
que muito pouco se comenta sobre a história da justiça. Seria por causa da
violência? vergonha pelos supliciados? Implicações políticas? A guilhotina, por
exemplo, virou marca registrada da França. Ela carrega toda uma carga de
significados que a impossibilitam de ser esquecida. Por que o esquecimento da
forca?
Nosso marco temporal é a primeira
metade do século XIX. O primeiro processo-crime que trabalharemos é de 1818. O
primeiro enforcamento (documentado) foi em 1821, e o último, em 1857. Após essa
data não ocorreram mais suplícios no país, por determinação do Imperador D.
Pedro II. As pessoas continuaram a ser condenadas à morte. A pena de morte não
foi retirada do Código Criminal. Porém, introduziu-se o costume de o Imperador
comutar a pena para galés perpétuas.
Estamos cientes que o período escolhido
marca uma transição importante no país, que deixa de ser colônia para tornar-se
uma nação independente. Essa mudança também acarretou alterações na legislação
penal.
Houve algum tipo de cruzamento entre
as Ordenações Filipinas e o Código Criminal do Império (1830) no que diz
respeito aos enforcamentos, os tipos de pena e outros rituais de suplício? Qual
era a atitude religiosa diante dos enforcamentos? São questões.
O Espaço.
Vamos viajar de Porto Alegre para o
Largo da Forca! A primeira palavra que
apareceu ao buscarmos o Largo da Forca foi Rua da Praia. Foi ao estudarmos a
história da Rua da Praia que nos deparamos com a praça Brigadeiro Sampaio. Ela
se encontra no começo da rua da Praia, perto da Usina do Gasômetro. Esse espaço
já foi palco de uma feira de alimentação, lugar de brincadeiras de criança.
Atualmente, os moradores de Porto Alegre usam o lugar para fazer churrasco e
outras iguarias. Tenho certeza que a maioria dos visitantes tem ideia de que
ali se realizavam os enforcamentos.
Estudando a história deste lugar nos
deparamos com seu primeiro nome, Largo da Forca. Segundo o historiador Sérgio
da Costa Franco esse espaço fazia parte do Largo do Arsenal e nessa época era
um lugar abandonado. Ele até diz que era um local ermo e abandonado e que ficou
conhecido por ser o local onde era construída a forca. Mas sempre foi local de
enforcamentos?
Aí encontramos a fala de Coruja
Filho, conhecido por dr Sebastião Leão que afirma que o local foi o primeiro
cemitério da cidade. Na pesquisa que realizamos na documentação do Arquivo
Histórico do estado referente ao período em que Borges de Medeiros foi chefe de
polícia foram encontrados ossos do que seriam enterramentos antigos. Então o
espaço teria por primeira função ser um cemitério?
O fato são as imagens que vão se
construindo sobre o local. Todos associados à morte. Outros cronistas também
fazem menção ao local. Este é o caso de
Aquiles Porto Alegre, nascido em 1848 e que diz as seguintes frases sobre o
espaço : tremor na voz, almas de outro mundo, sombra de terror e que era um
local ermo.
Ali tentou-se construir o Mercado
Público. Encontramos projetos. O fato é que estava se transformando de um local
de punição para um Mercado? Cemitério - Enforcamento - lazer
Enforcados.
O que dizer dos enforcados?
Em
1818 a Junta de Justiça instalou-se na capital da província. Quando ela não
existia, os réus eram enviados ao Rio de Janeiro para serem julgados. A
instalação da Junta de Justiça é um fato de extrema relevância para a história
do Poder Judiciário no Rio Grande do Sul. Tal fato agilizou a justiça.
A junta criminal de justiça
funcionava na Casa da Junta Real da Fazenda. O prédio citado é o mais antigo do
centro de Porto Alegre. Encontra-se atualmente localizado na atual rua Duque de
Caxias, onde funciona a Casa Civil do Governo do Estado.
A Estrutura de um Processo-crime.
Nosso primeiro contato com os
processos-crime foi assustador. Quando a letra não era boa, era o processo que
estava quase apagado. E, quando tudo parecia estar certo, era uma parte que faltava.
Foi um exercício de paciência.
Percebemos que documentos dessa
natureza possuem uma estrutura de funcionamento, um mecanismo interno, uma
lógica própria.
A investigação iniciava-se pelo
inquérito policial, que era finalizado, após o esgotamento das investigações e
declarações das testemunhas. A estrutura do processo era a seguinte: Auto da
Devassa, Autuação, Auto do exame e Corpo de delito, Assentada, Termo de
conclusão, Pronúncia do juiz, Libelo, Novo interrogatório, Sentença, Custos do
processo. Esta é a estrutura básica de um processo.
O primeiro enforcamento em Porto Alegre
ocorreu em 1821, mas , em 1818 encontramos um processo que tinha uma curiosa
sentença envolvendo o Largo da Forca.
O escravo Silvestre foi condenado a
dar três voltas na forca. Faltaram provas para condená-lo. Contudo ele foi
condenado a dar três voltas no patíbulo.
O primeiro processo de enforcamento
foi o do preto Joaquim, lembrado com precisão por Antônio Álvares Pereira
Coruja. No arquivo histórico, saímos atrás de um Joaquim e o achamos.
Joaquim, escravo de Joaquim Machado
Leão, de Triunfo, em 7 de dezembro de 1821 foi executado por ter matado a mãe e
ferido a irmã de seu senhor. A sentença mandava que fosse conduzido pelas ruas
mais públicas da cidade, com pregão e carrasco. Depois de ter sido condenado a
“morte natural para sempre”, teve a cabeça decepada e exposta no lugar do
crime, em “alto poste onde existirá até que o tempo a consuma.
Para uma cidade que nunca tinha
assistido um enforcamento, o primeiro deve ter sido um grande acontecimento e,
certamente, causou um grande impacto na população.
É preciso destacar que a lei que
regia os enforcamentos eram as Ordenações Filipinas. Mesmo após a independência
do país, elas não perderam efeito. Foi somente em 1830, quando o Código
Criminal do Império do Brasil começou a vigir é que o livro V das Ordenações
deixou de orientar os enforcamentos. Por isso, a partir desse ano não haverá
mais réus com órgãos amputados.
O trabalho com a pena de morte nos levou à realidade da
escravidão. A maioria dos condenados eram escravos. Os “crimes” cometidos eram
uma forma de resistência? Os casos indicam que sim. Enfim, leituras que mostram
como um espaço que onde hoje os cidadãos se divertem fazendo seu churrasco
dominical pode nos trazer reflexões sobre um passado que ainda temos muito por
descobrir e interpretar.
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