sexta-feira, 10 de outubro de 2025

 



            Falar de tortura, enforcamento, e coisas do tipo nunca é atraente. Definitivamente, é um tema triste e chocante. Mas quando fui estudar a história da Rua da Praia, eterno símbolo da nossa amada capital? Em vez de praia eu enxerguei a forca. Fui pesquisar.

            Descobri que a praça Brigadeiro Sampaio teve diferentes nomes: Arsenal, Largo da Forca, praça da Harmonia. Me impressionou a Forca.

O primeiro fato que nos causou surpresa é que, nas conversas com historiadores, sempre pairava no ar uma certa dúvida sobre a realização dos enforcamentos em Porto Alegre: “você nunca vai poder concluir alguma coisa” afirmaram alguns. Por um lado, isso foi bom para nós! Nunca ninguém interessou-se sobre o tema. Por outro, é uma grande responsabilidade para nós. Resolvemos encarar o desafio e encontramos diante de nós um objeto bastante rico e complexo.

A maioria dos livros sobre Porto Alegre no século XIX não tratam da pena de morte. Foucault tem razão ao dizer que muito pouco se comenta sobre a história da justiça. Seria por causa da violência? vergonha pelos supliciados? Implicações políticas? A guilhotina, por exemplo, virou marca registrada da França. Ela carrega toda uma carga de significados que a impossibilitam de ser esquecida. Por que o esquecimento da forca?

Nosso marco temporal é a primeira metade do século XIX. O primeiro processo-crime que trabalharemos é de 1818. O primeiro enforcamento (documentado) foi em 1821, e o último, em 1857. Após essa data não ocorreram mais suplícios no país, por determinação do Imperador D. Pedro II. As pessoas continuaram a ser condenadas à morte. A pena de morte não foi retirada do Código Criminal. Porém, introduziu-se o costume de o Imperador comutar a pena para galés perpétuas.

Estamos cientes que o período escolhido marca uma transição importante no país, que deixa de ser colônia para tornar-se uma nação independente. Essa mudança também acarretou alterações na legislação penal.

Houve algum tipo de cruzamento entre as Ordenações Filipinas e o Código Criminal do Império (1830) no que diz respeito aos enforcamentos, os tipos de pena e outros rituais de suplício? Qual era a atitude religiosa diante dos enforcamentos? São questões.

O Espaço.

Vamos viajar de Porto Alegre para o Largo da Forca! A primeira palavra  que apareceu ao buscarmos o Largo da Forca foi Rua da Praia. Foi ao estudarmos a história da Rua da Praia que nos deparamos com a praça Brigadeiro Sampaio. Ela se encontra no começo da rua da Praia, perto da Usina do Gasômetro. Esse espaço já foi palco de uma feira de alimentação, lugar de brincadeiras de criança. Atualmente, os moradores de Porto Alegre usam o lugar para fazer churrasco e outras iguarias. Tenho certeza que a maioria dos visitantes tem ideia de que ali se realizavam os enforcamentos.

Estudando a história deste lugar nos deparamos com seu primeiro nome, Largo da Forca. Segundo o historiador Sérgio da Costa Franco esse espaço fazia parte do Largo do Arsenal e nessa época era um lugar abandonado. Ele até diz que era um local ermo e abandonado e que ficou conhecido por ser o local onde era construída a forca. Mas sempre foi local de enforcamentos?

Aí encontramos a fala de Coruja Filho, conhecido por dr Sebastião Leão que afirma que o local foi o primeiro cemitério da cidade. Na pesquisa que realizamos na documentação do Arquivo Histórico do estado referente ao período em que Borges de Medeiros foi chefe de polícia foram encontrados ossos do que seriam enterramentos antigos. Então o espaço teria por primeira função ser um cemitério?

O fato são as imagens que vão se construindo sobre o local. Todos associados à morte. Outros cronistas também fazem menção ao local. Este  é o caso de Aquiles Porto Alegre, nascido em 1848 e que diz as seguintes frases sobre o espaço : tremor na voz, almas de outro mundo, sombra de terror e que era um local ermo.

Ali tentou-se construir o Mercado Público. Encontramos projetos. O fato é que estava se transformando de um local de punição para um Mercado? Cemitério - Enforcamento - lazer

Enforcados.

O que dizer dos enforcados?

 

            Em 1818 a Junta de Justiça instalou-se na capital da província. Quando ela não existia, os réus eram enviados ao Rio de Janeiro para serem julgados. A instalação da Junta de Justiça é um fato de extrema relevância para a história do Poder Judiciário no Rio Grande do Sul. Tal fato agilizou a justiça.

A junta criminal de justiça funcionava na Casa da Junta Real da Fazenda. O prédio citado é o mais antigo do centro de Porto Alegre. Encontra-se atualmente localizado na atual rua Duque de Caxias, onde funciona a Casa Civil do Governo do Estado.

A Estrutura de um Processo-crime.

Nosso primeiro contato com os processos-crime foi assustador. Quando a letra não era boa, era o processo que estava quase apagado. E, quando tudo parecia estar certo, era uma parte que faltava. Foi um exercício de paciência.

Percebemos que documentos dessa natureza possuem uma estrutura de funcionamento, um mecanismo interno, uma lógica própria.

A investigação iniciava-se pelo inquérito policial, que era finalizado, após o esgotamento das investigações e declarações das testemunhas. A estrutura do processo era a seguinte: Auto da Devassa, Autuação, Auto do exame e Corpo de delito, Assentada, Termo de conclusão, Pronúncia do juiz, Libelo, Novo interrogatório, Sentença, Custos do processo. Esta é a estrutura básica de um processo.

O primeiro enforcamento em Porto Alegre ocorreu em 1821, mas , em 1818 encontramos um processo que tinha uma curiosa sentença envolvendo o Largo da Forca.

O escravo Silvestre foi condenado a dar três voltas na forca. Faltaram provas para condená-lo. Contudo ele foi condenado a dar três voltas no patíbulo.

O primeiro processo de enforcamento foi o do preto Joaquim, lembrado com precisão por Antônio Álvares Pereira Coruja. No arquivo histórico, saímos atrás de um Joaquim e o achamos.

Joaquim, escravo de Joaquim Machado Leão, de Triunfo, em 7 de dezembro de 1821 foi executado por ter matado a mãe e ferido a irmã de seu senhor. A sentença mandava que fosse conduzido pelas ruas mais públicas da cidade, com pregão e carrasco. Depois de ter sido condenado a “morte natural para sempre”, teve a cabeça decepada e exposta no lugar do crime, em “alto poste onde existirá até que o tempo a consuma.

Para uma cidade que nunca tinha assistido um enforcamento, o primeiro deve ter sido um grande acontecimento e, certamente, causou um grande impacto na população.

É preciso destacar que a lei que regia os enforcamentos eram as Ordenações Filipinas. Mesmo após a independência do país, elas não perderam efeito. Foi somente em 1830, quando o Código Criminal do Império do Brasil começou a vigir é que o livro V das Ordenações deixou de orientar os enforcamentos. Por isso, a partir desse ano não haverá mais réus com órgãos amputados.

O trabalho com  a pena de morte nos levou à realidade da escravidão. A maioria dos condenados eram escravos. Os “crimes” cometidos eram uma forma de resistência? Os casos indicam que sim. Enfim, leituras que mostram como um espaço que onde hoje os cidadãos se divertem fazendo seu churrasco dominical pode nos trazer reflexões sobre um passado que ainda temos muito por descobrir e interpretar.


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